Conto n. 1: Primeira Parte
Acordo em mais um dia de minha vida sem propósito. Levanto da cama dura e fria, colchão surrado, velho como eu mesmo. Setenta anos já se passaram de uma vida bem vivida até certo ponto, mas sinto como se tivesse o dobro. O espelho manchado mais uma vez me lembra sobre minha decadência. Sento à beira da cama e respiro lentamente: É uma luta diária enfrentar o mundo lá fora. Calço as pantufas surradas, cambaleio até a pequena cozinha. Naturalmente bato os braços em alguma coisa, fato comum para minha altura peculiar, mas que ignoro, assim como ignoro minha companheira dor nas costas. O leite é de segunda e seu amargor ao bebê-lo é o amargor de pertencer a uma classe média que na verdade é pobre. O dia mal começou e quero descansar. Velho disciplinado e ranzinza, forço-me a sair. Com o aperto do botão, o elevador ganha vida e as portas se fecham, selando o destino momentâneo de dois estranhos: eu mesmo, e uma jovem com aparência de adolescente, vibrante e imersa em seu celular....